12 de novembro de 2008

O DIA SEGUINTE

Essa é pra quem costuma sair à noite, principalmente no meio da semana...

'Acordo. Ou melhor, sou retirado de um turbilhão confuso de pensamentos e lembranças que precisariam de mais umas quatro horas para que fossem chamados de sono pelo blá blá blá longínquo de um locutor de rádio que saía do rádio-relógio mal sintonizado.

Entre isto e acordar há um abismo de diferença. Sento na cama.

Imediatamente o quarto dá uma volta completa em torno do que restou do meu fígado e eu lembro que estou de ressaca. O giro do quarto somado à sensação de que estou vestindo uma meia de algodão na língua estimulam o meu primeiro pensamento lúcido do dia, e talvez um dos únicos: Puta-Que-Pariu!

Depois de deitar e levantar umas 10 vezes, em uma dúvida cruel entre pedir demissão para dormir mais um pouco e chegar até o chuveiro para salvar o meu emprego, decido manter-me no mercado de trabalho e vou cambaleando até o banheiro.

Faço uma parada no corredor e tomo 750 ml de água no bico da garrafa térmica. Os 250 ml restantes escorrem pelos cantos da boca molhando a minha camiseta 'Jânio Quadros Prefeito 85'. Chego até o espelho do banheiro, vejo o meu reflexo com um misto de pena e uma expressão do tipo “depois-eu-converso -com-você- mocinho”.

Dou aquela checada no pânceps - aquele músculo logo abaixo do abdômen, mas nem me dou o trabalho de encolhê-lo. Preguiçosamente começo a escovar os dentes. A secura da desidratação alcoólica molhada pela água há pouco ingerida formaram uma gosma espessa de cuspe que em contato com a pasta de dentes começa a produzir uma quantidade inominável de espuma na minha boca.
Depois de quase engasgar, entro no chuveiro determinado a tomar um banho gelado. Mas ainda não foi desta vez. Eu tenho alguns pensamentos recorrentes quando estou de ressaca, como a obrigação auto-impingida de tomar um banho frio, parar de fumar pelas próximas três semanas, e outras mais comuns.

É claro que, como toda promessa de ressaca, no dia seguinte você está fazendo tudo de novo. Mas uma coisa que eu nunca consegui foi tomar banho gelado para curar bebedeira. Claro que não estou contando aquele banho de roupa que sua mãe(tua avó, ou tia, ou namorada, ou irmão) te deu quando você tomou o primeiro fogo. Ah! O primeiro porre! Este passaporte de entrada para um universo que começa em euforia, termina em arrependimento e tem uma complicada contabilidade de horas de sono no meio.

Este universo com o qual você vai conviver durante toda a sua vida adulta, só saindo dele através de um SIM proferido em uma igreja, templo, mesquita, ou qualquer que seja o foro apropriado da sua religião. E olhe lá!

Este universo que você só vai perceber quando for tarde demais, consome todo aquele dinheiro do plano de previdência privada que você nunca fez, apesar das constantes investidas da sua gerente do banco.
O universo do macho solteiro.

Quando volto a mim, ainda estou debaixo do chuveiro com os olhos fixos em nada, divagando sobre estas e mais uma porção de outras bobagens.
Recomeço a função mecânica matinal, um tanto prejudicada por um conflito inequívoco de hardware. Ao lavar os olhos, só consigo deixá-los mais vermelhos, já que com tão poucas horas de sono o corpo nem deu tempo de produzir remela suficiente. Em compensação o nariz trabalha incessantemente produzindo cacas enormes, escuras e malcheirosas que dão um prazer imenso de tirar, produzir bolinhas, e dispô-las com um peteleco. Não me recrimine, o banheiro serve para essas coisas. Feio é fazer no trânsito...

No meio do banho, eu olho para ele. Ele quem? Ele oras. O seu companheiro que neste momento está encolhido, ensopado, sujo e mal-humorado (sim, ele tem humor!). E aí você começa a lembrar da noite anterior.

E aí começam os seus problemas. A coreografia de 'Ganso' que você fez para as amigas da sua prima. Aquela hora que você acreditou piamente que era o cara mais bonito do lugar e ficou trocando olhares com todas as mulheres, você de sedução, elas, de desprezo ou piedade. Aquele beijo que você tentou arrancar a força da garota mais feia do lugar, e não conseguiu. E, finalmente, aquele momento em que você se tornou milionário, pediu uma garrafa de Taittinger para brincar de pódio de Fórmula 1 (cantando: 'tã tã tã!') e encerrou a noite deixando o restante do seu salário em um prostíbulo de luxo, não sem antes tentar sexo gratuito com todas as 'amigas' da casa (afinal de contas você ainda era o cara mais tesudo da cidade).

Daí para frente, só o que você vai sentir ao longo do dia são pequenas dores, morais e físicas, causadas pela noite anterior.

A taquicardia provocada pela quantidade paquidérmica de energéticos que você ingeriu o telefonema da sua gerente do banco dizendo que só aumenta o seu já estourado limite se você fizer o tal do plano de previdência, uma vontade incrível de ir ao banheiro para um número 2 que você segura porque não há bidet no escritório e você também não quer interditar o toalete, e o maço de cigarros todo úmido e amassado que você insiste em manter no bolso mesmo que jure para si mesmo que vai parar de fumar até que, depois de fingir que trabalhava o dia inteiro, chega o final do expediente, toca o telefone e você ouve aquela voz familiar:

Faaaaaala mannnnnnnnnnnnnnnn! Qual a boa de hoje???

Pronto. Começa tudo de novo!!!